VOLTAR
28.01 - JORNAL DO COMÉRCIO

Jornal Do Comércio

(Re)escrevendo o Direito Autoral

O Direito Autoral trata-se de um conjunto de prerrogativas, conferidas por lei, a pessoa física, criadora de uma obra intelectual, a bem de que esta possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações. Percebemos, assim, que o Direito Autoral, cujo próprio nome sugere, é uma proteção alcançada ao autor da criação emanada do espírito humano, concedendo-lhe tanto um direito de ordem moral (de paternidade, irrenunciável e inalienável); bem como um direito de patrimonial disponível (referente à exploração e a utilização da obra em si).
Nas proximidades do Direito Autoral, ou seja, em sua órbita, gravitam o que chamamos de Direitos Conexos. Tais Direitos ganham maior relevo, atualmente, devido a estarmos imersos em uma sociedade pautada pela volatilidade tecnológica, e acabam por eternizar a obra no tempo e no espaço, na medida em que em tempos passados, a obra era executada de forma completamente sazonal e transitória. Os chamados Direitos Conexos pertencem, respectivamente, ao artista (em relação a sua interpretação ou execução); ao produtor de fonogramas (em relação a sua produção sonora) e ao organismo de radiodifusão (em relação ao seu programa).
Em tempos marcados pela “inexistência de um produto em sua versão final”, dada a dimensão da volatilidade tecnológica em que nos encontramos imersos, tempos em que se consertar algo é démodé e, substituir pelo novo se tornou regra, podemos dizer que o Direito Autoral e os Direitos Conexos não são apenas um Ode ao “vamos inovar por completo e superar o velho sempre pelo novo”. Existem alternativas, diante desse mundo em que tudo parece ser de fácil descarte. E para analisar esta perspectiva, será necessário lançar um olhar sobre a vida, na perspectiva de vê-la mudando o direito e não de vê-la como um direito moldando a vida. E se fizermos isso, tal como nos dizia Carl G.Jung, “quem olha para fora sonha; quem olha para dentro desperta”, estaremos dando os primeiros passos para compreender a importância de se (re)desenhar, se (re)posicionar, se (re)inserir e se (re)inovar, efetivamente, a obra autoral em si, ou seja, se (re)masterizar a própria criação emanada do espírito humano, com foco em se obter o melhor retorno, seja financeiro, seja para o bem da humanidade. E nesses tantos “res”, sempre conjugando-os em simetria com as intenções de quem é o autor da obra, bem como de quem lhe alcançou maior amplitude comercial ou publicidade (gravadoras, produtoras, difusoras), ou de quem a embelezou (atores e intérpretes).
A despeito de quando escutamos a expressão “Direito Autoral” sermos levados pelo nosso imaginário a associá-la apenas ao contexto da vida de autores de obras musicais, ou de obras literárias, a atores de peças de teatro, ou a intérpretes que conhecemos e a diretores de cinemas de nossos filmes prediletos; à luz da razão, não podemos validar essa verdade, que é fruto de nosso imaginário, pois se assim o fizéssemos estaríamos sendo levados a não enxergar a grandeza de um dos assuntos mais amplos da Propriedade Intelectual (o Direito Autoral) e passaríamos “a ver” através das nossas ideias, de nossos pré-conceitos, de nossos pré-juízos, quando na verdade deveríamos enxergar, através da nossa mente, que é quem origina e quem cria nossas ideias e nossa forma mais ampla de ver.
Se em tempos pretéritos divergíamos sobre quem, após o autor, deveria ficar com “a maior fatia” da produção de um LP (se uma gravadora, se os novos intérpretes das músicas, se os produtores musicais, se as difusoras de rádio e televisão, se as lojas que comercializam os LP’s), há pouco tempo, essa mesma indagação também alcançou não só a indústria de CD’s, mas também a indústria de DVD’s e por fim, a indústria cinematográfica. Hoje, a velocidade da sociedade da informação e do conhecimento nos permite com um simples “click” baixar músicas, filmes e seriados, grande parte disponibilizadas pelos próprios autores em plataformas, lojas virtuais ou em softwares específicos para realizar download chamados Peer do Peer (P2P). De outro lado, o limite da legalidade e da ilegalidade de quem baixa uma obra através de plataformas P2P, ou de quem a visualiza (em sites como youtube) é uma linha muito tênue, porque estes são os tempos de uma sociedade pautada por dois principais vetores: velocidade e compartilhamento. Cá entre nós, a onda da web é compartilhar. Não fosse esse mesmo espírito, as obras de Kafka sequer seriam conhecidas e reeditadas, porque o renomado autor determinou que fossem queimadas, após sua morte.
Para isso, o domínio sobre quais as licenças que melhor correspondem às expectativas de quem detém Direitos Autorais e Direitos Conexos é fundamental. Copyright, Copyleft, Criative Commos, BSD ou GPL? Quais suas diferenças? O que compreendem e protegem tais licenças? Em que países elas são mais favoráveis ao contexto protetivo buscado pelo Autor e pelos detentores de Direitos Conexos? E os tão recentes aplicativos (App)? Como eles estão inseridos nesse contexto?
Se não vivemos em um mundo estático, olvidar a dinamicidade do hoje é deixar passar despercebida a principal marca da obra autoral: ser multissensorial. Galerias de arte estão repletas de obras interativas; CD’s e DVD’s voltaram a ser consumidos, dada necessidade do público de cada artista, em ter esse contato multissensorial com a obra em si. Camisetas com imagens de Einstein (agora usando óculos 3D); protetores de smartphones com obras de Andy Warhol; sem contar que os próprios smartphones nos permitem acessar aplicativos (App) e “o mundo” em um simples toque no visor touchscreen; um simples “click” passou a diferenciar o êxito de softwares geniais, alguns com avaliações que ultrapassam a casa de nove zeros em dólares, a exemplo do what’s app (US$ 1 bi) e snapchat (US$ 3 bi).
Como ficam os Direitos Autorais e os Direitos Conexos diante do êxito desses aplicativos? E os direitos dos respectivos desenvolvedores? E os direitos dos seus titulares? Quais as melhores cláusulas para um contrato de licença e quais a que devem constar em um contrato de desenvolvimento de software?
Desta forma, não temos dúvida que a opção pela informalidade, pelo excesso de confiança, pelo entusiasmo inicial e pelas perspectivas de um prolongado sucesso, aliado a ausência de uma assessoria precisa, cobrará o maior preço, se não houver uma assessoria com expertise, em nível de excelência, que se paute como principal fator, para compor o cenário do êxito de um empreendimento. Se em tempos de volatilidade tecnológica impõe-se (re)desenhar, (re)posicionar, (re)inserir e (re)inovar, cogitar de imprecisão em tais cenários é nada mais do que decidir pelo insucesso das respectivas proteções.

Pedro Lagomarcino – Advogado e Gerente de Inovação e Capacitação da PAP Propriedade Intelectual