Jornal Do Comércio
Lei de Competências Ambientais
Sancionada em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, a Lei de Competências Ambientais (Lei Complementar 140) foi criada com o objetivo de tornar mais claros os papéis da União, dos estados e dos municípios no licenciamento ambiental, na supressão vegetal e na fiscalização. Porém, segundo o advogado gaúcho Gustavo Trindade, um dos autores do anteprojeto da lei, a atual ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, não assumiu a lei, que carece de regulamentação e de um maior detalhamento do que cabe a cada esfera licenciar. Sócio do escritório Trindade & Lavratti, que presta assessoria a empresas na área ambiental, Trindade foi chefe do Departamento Jurídico do Ministério do Meio Ambiente. Em sua avaliação, a demora acontece porque existe muita desinformação e resistência de setores da sociedade e do Judiciário em relação a ela.
Jornal do Comércio – O que é a LC 140 e o que ela mudou em relação à legislação anterior? Gustavo Trindade – Um dos grandes problemas relativos a temas ambientais é saber o que cabe ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) fazer, o que cabe aos estados e o que cabe aos municípios. Em 2006, fiz uma pesquisa junto aos tribunais e descobri que 70% das ações judiciais tratavam de temas que envolviam competências dos órgãos ambientais. Muitas vezes se discutia, especialmente fora do Rio Grande do Sul, sobre a competência ou a possibilidade dos municípios darem licença para atividades de menor impacto. Outras vezes se tentava retirar o licenciamento do órgão estadual e passar para o Ibama. A Constituição Federal, no seu artigo 23, que fala das competências da União, dos estados e dos municípios para tratar do meio ambiente, diz que essa atuação deve se dar de forma cooperada. A LC 140 surgiu para definir essas formas de cooperação, estabelecendo quando age cada órgão. Isso se deu fundamentalmente para três temas importantes: a quem cabe dar o licenciamento ambiental; a quem cabe autorizar a supressão de vegetação; e quem faz a fiscalização ambiental. A LC 140 diz, por exemplo, que compete aos municípios fazer o licenciamento das atividades de impacto local. Diz também que cabe aos conselhos estaduais regrar e fazer uma lista das atividades de impacto local. Ao Ibama compete licenciar atividades localizadas na fronteira do Brasil com outro país, na divisa entre estados, e licenciar uma série de empreendimentos listados num decreto federal de acordo com atividade, porte e potencial poluidor.
JC – Ainda existem pendências em relação à LC 140? Trindade – A lei completou dois anos agora e, até hoje, não houve uma definição por parte do governo federal de quais i são as matérias que devem ser submetidas ao licenciamento ambiental do Ibama. Seria um decreto federal elabora- Lã do a partir de uma proposição tripartite, Trindade explica que a lei complementar surgiu para definir quando cada órgão deve agir que reuniria representantes da União, dos estados e dos municípios. Também não existe qualquer tipo de regulamentação, seja das tipologias ou um detalhamento maior para a aplicação da lei. No ano passado, meu escritório foi contratado pela Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), e já fizemos uma minuta de decreto para regulamentar toda a LC 140. Isso foi entregue à ministra do Meio Ambiente e nada se fez. A ministra não assumiu a LC 140. Parece-me que há uma aversão do ministério às exposições da LC 140 e isso tem deixado parada qualquer regulamentação dessa lei.
JC – Por que isso ocorre? Trindade – Muito por desconhecimento da norma e muito porque hoje o Ibama licencia o que ele quer sem uma definição objetiva. Muito se falou no enfraquecimento do Ibama a partir da LC 140. No meu entender, isso não existiu. A LC 140 diz que quem dá a licença é quem fiscaliza. Por isso, diziam que o Ibama perderia poder de fiscalizar, especial-mente na região Norte do País, onde ocorrem os grandes desmatamentos. Só que a grande maioria das atividades que causam o desmatamento na Amazônia e em outros locais do País são ilegais. E, no caso dessas atividades, a competência ambiental continua sendo comum da União, do estado e do próprio Ibama.
JC – O poder econômico não exerceria uma pressão maior sobre os municípios? Trindade – O Ministério Público Federal e o Ministério Público de São Paulo dizem que o estado ou o município são muito mais sujeitos à pressão econômica do que a União. Mas o município está limitado às atividades de menor porte. Para os estados, ficariam as de médio porte e as maiores ficariam para o Ibama. Além disso, a pressão político–econômica é muito parecida nas diferentes esferas. Quer mais pressão do que a Dilma chamar o presidente do Ibama e dizer que, se não licenciar (a usina de) Belo Monte, não vai ter energia no País?
JC -Já é possível notar alguma diferença no numero de ações judiciais relacionadas a questões de competência? Trindade – A lei ainda é muito pouco usada pelo Judiciário. Além da aversão do próprio Ministério Público, ela ainda é pouco debatida. Mas já começa a se fortalecer o licenciamento municipal. Aqui no Rio Grande do Sul, desde 1998, o Estado incentiva os municípios a licenciarem as atividades de impacto local. Dos 497 municípios do Estado, 392 fazem licencia-mento. Em 2012, segundo o Tribunal de Contas do Estado, os municípios concederam 43 mil licenças. A Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul) emitiu, em 2012, 13.500 licenças. O Ibama, em 2009, quando bateu recorde de concessão de licenças, chegou a 240 em todo o País. O Ibama foi feito para os grandes empreendimentos. O grande peso do licenciamento é nos estados, e aqui nós temos conseguido, para aliviar um pouco a Fepam, fazer com que os municípios atuem. Santa Catarina também avançou e a Bahia está avançando. Mas há resistência em alguns estados, especialmente em São Paulo, por conta dessa aversão do MP.
JC – Como as empresas estão se adaptando a essa lei? Trindade – A lei é mais direcionada aos órgãos de governo. Mas isso se repercute. Quando quero instalar um empreendimento, a primeira pergunta é o que devo buscar para o licenciamento ambiental. A lei dá clareza e mais segurança jurídica ao empreendedor. A lei afirma ainda que é só um procedimento de licenciamento para cada empreendimento. Antes era possível ter vários licenciamentos sobre a mesma atividade. A lei também deixa claro que quem licencia o empreendimento é responsável por avaliar e autorizar a supressão de vegetação. Antes, havia casos em que o licenciamento era do Ibama, mas a autorização para suprimir vegetação era do município. A fiscalização também: quem licencia é quem fiscaliza. Além disso, a LC 140 informa a possibilidade de renovação da licença prévia, da licença de instalação e da licença de operação. Até a LC 140, se eu não implantasse meu empreendimento no prazo da licença de instalação, deveria iniciar um novo processo para recebê-la.
JC – Existe alguma sobreposição da lei com o novo Código Florestal? Trindade – A LC 140 tem uma hierarquia superior ao Código Florestal, já que regula diretamente o artigo 23 da Constituição. Mas o Código Florestal, mesmo sendo posterior à LC 140, traz uma série de disposições divergentes a respeito da competência para suprimir vegetação. Por exemplo, há uma quase indefinição sobre quem autoriza supres-são de vegetação em área de preservação permanente. Não há tratamento disso no novo Código Florestal.